quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Ser Mãe


(Tela de Gustav Klimt: Mãe e filho)

Ser mãe é ter a alma perfumada, perfeita, repleta de amor,
E no desejo permanente de sempre acertar,
Cometer pequenos e grandes enganos,
E assim, tão solitária, quando se sentir imperfeita,
Gritar, chorar, rezar, se perdoar e seguir adiante,
Confiante que, no futuro, os mais ajustados gestos
Serão aprendizes dos pequenos erros de anos...

Ser mãe é povoar o mundo de emoção,
Acordar no meio da madrugada e cantar uma canção...
Enfrentar os próprios medos
E guardar segredos no coração.
Desenvolver a magia da intuição:
Ler o que jamais foi escrito,
Ouvir o que ainda não aconteceu e nem foi dito,
Escolher entre o sim e o não,
E rechear com palavras que façam soar mais bonito,
Sem que pareça uma lição.

Ser mãe é viver com intensa alegria dia após dia:
Fazer bolo de chocolate, comer pipocas, rolar no chão
E assistir mil vezes o mesmo desenho na televisão.
Montar cabana de lençóis no meio da sala,
Ser chamada de tia por crianças a sua volta.
Comprar o primeiro sutiã branco de algodão,
Surpreender com flores a primeira menstruação,
E não perder nenhum capítulo da novela que é cada paixão.

Ser mãe é cuidar bem, zelar com carinho, sem reprimir.
Caminhar ao lado e deixar livre no momento de sozinha seguir...
Ser mãe é estar sempre presente, mesmo quando longe ou ausente,
E viver a vida vibrante, com a certeza de que é maior, infinito,
Inesquecível, imortal o amor que sente...
Cris Lopes

Momento de Luz


(Tela de Géssica Hellmann: Íris grávida)

Oh, Lua!
Repousas em meu ventre,
Resplandescente,
Em quarto crescente,
Vivente tesouro,
Secreto de amor.
Meu pequenininho-grande amor:
Ísis.
Até hoje e para sempre
É teu o meu coração...
Cris Lopes

domingo, 9 de agosto de 2009

Vida


(Tela de Mônica Santana: Ciranda Margaridas)

Vida
Amiga
Vida
Querida
Vida
Despedida
Vida
Sofrida
Vida
Sortida
Vida
Sorvida

Vida
Ida
Vida
Vivida
Vida
Convida
Vida
Vinda
Vida
Ainda
Vida
Linda

Vida
Revida
Vida
Revivida
Vida
Bem-vinda!
Cris Lopes

terça-feira, 4 de agosto de 2009

O menino e a pipa


( Tela de Marcos Andruchak, 2004: Pipas)

O sol mergulha indolente no mar. Aprecio a brincadeira, sentada no calçadão, enquanto meu pensamento dispersa imagens no horizonte. O vento, faceiro, abana a paisagem e o verde das águas respinga a cor de esmeraldas no ar. Envolvida pelas sensações alegres da natureza, percebo o menino na praia. Deve ter uns nove anos. Corre de um lado para o outro, hábil em manter o domínio sobre sua pipa. No pontal, do alto das pedras, outro garoto, numa posição mais estratégica, guia sua linha e começa a desenhar no céu o duelo com o adversário veloz na beira-mar.
Testemunho o esforço do menino na areia. Confesso que minha torcida é pela vitória dele. No entanto, em poucos minutos, o oponente das alturas lhe ganha a pipa. Agora, o menino não corre mais. Agacha-se na areia, apoia o rosto nos joelhos e abraça a cabeça com os braços como a querer esconder-se de si mesmo. Resolvo aproximar-me e, já a seu lado, ouço um choro baixo e escondido. Sento e falo, dissimulando não perceber o desconforto da situação: “Nossa, o mar está lindo!” Ele retruca aborrecido, sem me olhar: "Não acho!" Então, falo meu nome e quero saber o dele. Em seguida, conto que também tenho um amigo que se chama Fabiano. Pergunto se ele está chateado. Parece que deseja conversar. Logo revela que mora ali perto e que adora soltar pipas. Depois de uma pequena pausa, confessa estar zangado porque perdeu a pipa de que mais gostava para outro garoto. Penso por algum tempo e finalmente concordo: "Ah, entendo. Já perdi também algumas coisas que gostava muito, e posso te contar um segredo?" Espero, enquanto ele decide se quer ouvir. A demora é de apenas alguns segundos, não muitos, porque acho que, como a maioria das crianças, ele é bem curioso. Enfim, esfrega o rosto com o dorso das mãos, levanta a cabeça e, pela primeira vez, me dá uma olhada de soslaio. Balança os ombros como quem informa que “você é quem sabe, se quiser...”. Foi a minha deixa: "Ah, quer saber? Acho que sua pipa também gosta muito de você!" Nessa altura da conversa, ele coça a orelha e pensa não ter ouvido direito. Desconfiado, olha para mim e, num sorriso, misto de ironia e timidez, retruca: "E desde quando pipa gosta de alguém?" Foi a minha vez de rir e perguntar: "Fala uma coisa: Você só está chateado pelo fato de ter perdido sua pipa preferida?" Ele pensa e confessa: "Não, estou triste comigo mesmo, porque não sou esperto. E o pior de tudo é que, quando voltar para casa, vou achar muito chato ter que contar o que aconteceu para os meus pais. Eles vão dizer que sou um bobo!" Continuo: "Hum, eu não acho que você é bobo. Estava sentada lá, naquele banco do calçadão e vi tudo. Você foi muito esperto! Correu bastante e se esforçou até o final. Por isso digo que a sua pipa também gosta muito de você! Ela lhe revelou a vontade de vencer e mostrar o quanto você é capaz de lutar pelo que deseja. Foi o instrumento para testar sua coragem, entende? Em minha opinião você é um vencedor! Sabe, nem sempre quem ganha é o melhor, o verdadeiro vencedor. Você estava numa posição pior do que a do outro menino, contra o vento e, mesmo assim, ele teve muito trabalho para ganhar sua pipa. Afirmo até que, diante das circunstâncias, você é muito mais habilidoso do que ele. A vida sempre oferece oportunidades para nos testar e nos revelar nossos potenciais. É assim que a gente aprende a ser melhor."
Já escurecia. Fabiano avisa que precisa ir embora. Agradece pela força e fala que vai contar aos pais como havia lutado, com agilidade e esforço, para defender sua pipa até o final. Corre alguns metros. Para. Olha para trás e, sorrindo, me pergunta: "Qual é mesmo o seu nome?" "Carolyne." Saltitante, ele desaparece. Como faz bem soltar uma pipa de vez em quando!
Cris Lopes