terça-feira, 4 de agosto de 2009

O menino e a pipa


( Tela de Marcos Andruchak, 2004: Pipas)

O sol mergulha indolente no mar. Aprecio a brincadeira, sentada no calçadão, enquanto meu pensamento dispersa imagens no horizonte. O vento, faceiro, abana a paisagem e o verde das águas respinga a cor de esmeraldas no ar. Envolvida pelas sensações alegres da natureza, percebo o menino na praia. Deve ter uns nove anos. Corre de um lado para o outro, hábil em manter o domínio sobre sua pipa. No pontal, do alto das pedras, outro garoto, numa posição mais estratégica, guia sua linha e começa a desenhar no céu o duelo com o adversário veloz na beira-mar.
Testemunho o esforço do menino na areia. Confesso que minha torcida é pela vitória dele. No entanto, em poucos minutos, o oponente das alturas lhe ganha a pipa. Agora, o menino não corre mais. Agacha-se na areia, apoia o rosto nos joelhos e abraça a cabeça com os braços como a querer esconder-se de si mesmo. Resolvo aproximar-me e, já a seu lado, ouço um choro baixo e escondido. Sento e falo, dissimulando não perceber o desconforto da situação: “Nossa, o mar está lindo!” Ele retruca aborrecido, sem me olhar: "Não acho!" Então, falo meu nome e quero saber o dele. Em seguida, conto que também tenho um amigo que se chama Fabiano. Pergunto se ele está chateado. Parece que deseja conversar. Logo revela que mora ali perto e que adora soltar pipas. Depois de uma pequena pausa, confessa estar zangado porque perdeu a pipa de que mais gostava para outro garoto. Penso por algum tempo e finalmente concordo: "Ah, entendo. Já perdi também algumas coisas que gostava muito, e posso te contar um segredo?" Espero, enquanto ele decide se quer ouvir. A demora é de apenas alguns segundos, não muitos, porque acho que, como a maioria das crianças, ele é bem curioso. Enfim, esfrega o rosto com o dorso das mãos, levanta a cabeça e, pela primeira vez, me dá uma olhada de soslaio. Balança os ombros como quem informa que “você é quem sabe, se quiser...”. Foi a minha deixa: "Ah, quer saber? Acho que sua pipa também gosta muito de você!" Nessa altura da conversa, ele coça a orelha e pensa não ter ouvido direito. Desconfiado, olha para mim e, num sorriso, misto de ironia e timidez, retruca: "E desde quando pipa gosta de alguém?" Foi a minha vez de rir e perguntar: "Fala uma coisa: Você só está chateado pelo fato de ter perdido sua pipa preferida?" Ele pensa e confessa: "Não, estou triste comigo mesmo, porque não sou esperto. E o pior de tudo é que, quando voltar para casa, vou achar muito chato ter que contar o que aconteceu para os meus pais. Eles vão dizer que sou um bobo!" Continuo: "Hum, eu não acho que você é bobo. Estava sentada lá, naquele banco do calçadão e vi tudo. Você foi muito esperto! Correu bastante e se esforçou até o final. Por isso digo que a sua pipa também gosta muito de você! Ela lhe revelou a vontade de vencer e mostrar o quanto você é capaz de lutar pelo que deseja. Foi o instrumento para testar sua coragem, entende? Em minha opinião você é um vencedor! Sabe, nem sempre quem ganha é o melhor, o verdadeiro vencedor. Você estava numa posição pior do que a do outro menino, contra o vento e, mesmo assim, ele teve muito trabalho para ganhar sua pipa. Afirmo até que, diante das circunstâncias, você é muito mais habilidoso do que ele. A vida sempre oferece oportunidades para nos testar e nos revelar nossos potenciais. É assim que a gente aprende a ser melhor."
Já escurecia. Fabiano avisa que precisa ir embora. Agradece pela força e fala que vai contar aos pais como havia lutado, com agilidade e esforço, para defender sua pipa até o final. Corre alguns metros. Para. Olha para trás e, sorrindo, me pergunta: "Qual é mesmo o seu nome?" "Carolyne." Saltitante, ele desaparece. Como faz bem soltar uma pipa de vez em quando!
Cris Lopes

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