quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Tempestade


Sara sorri o rosto colado na janela de seu quarto. Absorta nas cores que acariciam o vidro, não percebe quando seus olhos deslizam pelos caminhos desenhados com os pincéis invisíveis. Rosa, azul, violeta predominam nas transparências das gotas vestidas de luz.
O tempo volta muitos anos a uma tempestade que rodopia intensa depois da insistência ardente do sol. O vento sacode folhas alvoroçadas até quase desnudar por completo as árvores. Ecoa a explosão do transformador e se instala um apagão na rua. Todos vão para a cama mais cedo. Parece que a ausência de testemunhas deixa o vento ainda mais ousado em seu despudor. Os trovões silenciam por segundos os gemidos, as palavras entrecortadas que chegam do fim do corredor. Sara negligencia a rotina de bater na porta do quarto dos pais para saber o que está acontecendo. Sensações instintivas a impedem. Impressiona-se com seu corpo: o coração acelerado pulsa em seus ouvidos atentos, os pequenos mamilos túrgidos salientam-se no plano relevo da parede torácica infantil, o cheiro úmido da terra e do mato invade suas narinas ofegantes e os galhos das árvores, em orgia, ameaçam quebrar as vidraças e penetrá-la por sob os lençóis brancos de algodão. Medo e prazer, morte e vida se mesclam pela primeira vez. A percepção dessa alquimia para Sara é a de total rendição à desenfreada força dinâmica que mexe, remexe com cada recôndito de seu corpo, enquanto sua mente parece desdobrada como se ela fosse uma voyeur de si mesma. A intimidade entre ela e a tempestade é de união plena. Desperta algo nunca percebido antes pela menina, e quando silencia já encontra Sara adormecida exausta...
(Cris Lopes)

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