(Tela de Augusto Gomes: Homem Sentado)
O rangido da porta prenuncia o amanhecer.
Ele, como sempre, chega com passos arrastados, disfarçando o cansaço. Esconde a camisa no pequeno guarda-roupa, como quem também deseja pendurar-se naquela escuridão. Enquanto troca de roupa, admira-a: imóvel, alva, mas ele sabe que seu corpo ganha vida quando suas mãos dedilham-lhe as formas.
Manoel sofre o esgotamento da vida dupla. O médico já o alertara. O estresse, acumulado ao longo da jornada pesada de trabalho, alterou-lhe a pressão arterial. As palpitações apressam-se em avisá-lo do perigo iminente. Precisa descansar, tirar férias. No entanto, quando retorna para casa, as crianças pulam sobre ele no sofá. Transbordam alegria nas traquinices, e ele adia o olhar para si mesmo, como se o bem fosse capaz de anular a existência do mal. Engana-se.
Márcia aparece sempre por último. A proximidade dela não lhe acalenta o coração como o abanar do rabinho de Chuvisco ou a ciranda das crianças a sua volta. Todas as noites, contudo, ele beija a face da mulher. Reconhece nela uma boa companheira que merece mais, muito mais do que ele é capaz de proporcionar-lhe.
A esposa continua fogosa. Entretanto, quando fazem amor, Manoel fecha os olhos. Ausenta-se. Cumpre, apenas, num ritual de desdobramento, o papel de homem. Pensa até que ponto a “outra” é a responsável pelo fim do entusiasmo às entregas da mulher. A mente distante ocupa-se daquela que, dia e noite, é a verdadeira e única senhora de sua preocupação. A que o escraviza. Mais um orgasmo. Seus poros impregnados exalam o odor da “outra”. Não entende como Márcia nunca reclama. Impossível que não perceba o cheiro tão presente. Impossível que não sofra pelas madrugadas de cama vazia.
Odeia o espelho do banheiro. Se não fosse a vasta barba já o teria partido em mil pedaços. Seus olhos lacrimejam quando o homem, de mais de cinqüenta, ri impiedoso dos seus trinta e poucos anos.
Finalmente, só ele e ela. A magia, a cada encontro, nos últimos seis anos, parece incrementar-se. Tão deliciosa, a alquimia transborda em movimentos desavergonhados, rápidos, violentos. Quanto mais ele a toca, mais urge a sensação de suas mãos largas, ágeis, ousadas. Muitas vezes ele enlouquece. Odeia a submissão de suas formas e a maltrata. Sem piedade, bate-lhe com força. Ela, despudorada, gosta. Sorve suas pancadas sem dor. Ele grita, geme. Hoje tudo é diferente: depois, ele dá o último suspiro e desmancha-se sobre a mesa. Perdida, ela gruda-se ao corpo inerte dele.
Portas cerradas. Pessoas correm atrasadas pela espera. Vem e voltam preocupadas. A vizinhança agita-se e comenta: que estranho! O que será que houve com o padeiro?
Manoel sofre o esgotamento da vida dupla. O médico já o alertara. O estresse, acumulado ao longo da jornada pesada de trabalho, alterou-lhe a pressão arterial. As palpitações apressam-se em avisá-lo do perigo iminente. Precisa descansar, tirar férias. No entanto, quando retorna para casa, as crianças pulam sobre ele no sofá. Transbordam alegria nas traquinices, e ele adia o olhar para si mesmo, como se o bem fosse capaz de anular a existência do mal. Engana-se.
Márcia aparece sempre por último. A proximidade dela não lhe acalenta o coração como o abanar do rabinho de Chuvisco ou a ciranda das crianças a sua volta. Todas as noites, contudo, ele beija a face da mulher. Reconhece nela uma boa companheira que merece mais, muito mais do que ele é capaz de proporcionar-lhe.
A esposa continua fogosa. Entretanto, quando fazem amor, Manoel fecha os olhos. Ausenta-se. Cumpre, apenas, num ritual de desdobramento, o papel de homem. Pensa até que ponto a “outra” é a responsável pelo fim do entusiasmo às entregas da mulher. A mente distante ocupa-se daquela que, dia e noite, é a verdadeira e única senhora de sua preocupação. A que o escraviza. Mais um orgasmo. Seus poros impregnados exalam o odor da “outra”. Não entende como Márcia nunca reclama. Impossível que não perceba o cheiro tão presente. Impossível que não sofra pelas madrugadas de cama vazia.
Odeia o espelho do banheiro. Se não fosse a vasta barba já o teria partido em mil pedaços. Seus olhos lacrimejam quando o homem, de mais de cinqüenta, ri impiedoso dos seus trinta e poucos anos.
Finalmente, só ele e ela. A magia, a cada encontro, nos últimos seis anos, parece incrementar-se. Tão deliciosa, a alquimia transborda em movimentos desavergonhados, rápidos, violentos. Quanto mais ele a toca, mais urge a sensação de suas mãos largas, ágeis, ousadas. Muitas vezes ele enlouquece. Odeia a submissão de suas formas e a maltrata. Sem piedade, bate-lhe com força. Ela, despudorada, gosta. Sorve suas pancadas sem dor. Ele grita, geme. Hoje tudo é diferente: depois, ele dá o último suspiro e desmancha-se sobre a mesa. Perdida, ela gruda-se ao corpo inerte dele.
Portas cerradas. Pessoas correm atrasadas pela espera. Vem e voltam preocupadas. A vizinhança agita-se e comenta: que estranho! O que será que houve com o padeiro?
Cris Lopes