Decido.
Abro a gaveta.
Escondo a tesoura.
Permanecerá esquecida.
Perséfone:
Pois eu vos digo que, nesse mundo, não haverá quem lhe corte os cabelos,
Muito menos alguém sem dentes!
Quando eu era bem mocinha
Irritava-me ouvir que nada sabia,
Pois jovem acredita
Na certeza corajosa,
Inventada,
De tudo saber...
Aos treze, cortei tranças,
E, ao encurtar cabelos,
Desconfiei de minhas confianças...
Aos dezessete,
O tempo trouxe-me o vento:
Escandaloso,
A bolinar árvores,
A levantar saias...
Desavergonhado, numa noite,
Emaranhou-me os cabelos,
Eriçou-me os mamilos, os pelos
Despiu-me sentidos...
O sol acariciou, na manhã seguinte,
Meu corpo, nos lençóis, camuflado,
Enfim desvelado, com mais de vinte...
Ergui-me.
Diante do espelho,
Ao meu lado,
A mulher contemplava-se recém-nascida.
Eu e ela buscamos detalhes,
Juntas, unidas, ungidas pela primeira vez:
Nos olhos, nos seios, nas mãos, no ventre, na tez, na nudez.
Senti-lhe as faltas: medo e pudor...
Reprovou-me, ela, a inspecionar-me, por sua vez,
A transparência: simplicidade sem cor
De unhas pequenas, lixadas bem curtas...
Logo, apressou-me mudanças:
Unhas longas, rubras,
Batom escarlate,
Salto alto,
Decote,
Seda negra,
Ancas curvas...
Janelas entreabertas.
O vento foge do tempo.
Brincam de pique esconde lá fora.
Folhas secas anunciam o outono.
Depois, solitário chegará ele- o inverno...
No entanto, aqui, dentro de casa,
A mocinha de tranças,
Perséfone, emerge!
Rodopia a roda,
Dá voltas
E se revolta!
Teima que outono não é não...
Enfeita-se de alegrias,
Corre, dança, se lança;
Sacode poeiras estáticas de ausências:
Saudades, presenças sofridas...
Cria primaveras como únicas estações.
Borrifa alfazema,
Com sonhos,
Nos mofos da vida!
(autora: Cris Lopes)
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