terça-feira, 28 de julho de 2009

Per la vitta


(Tela de Alberto Sughi: O Grande Bar)

O carro conhece o caminho. Segue pela avenida principal, vira a terceira rua à direita e estaciona próximo à esquina. As mãos presentes no volante, trêmulas, são incapazes de lutar por mim. Hoje, só por hoje. A garganta seca reclama mais um gole, e é a que sempre vence a batalha, sem alarde, sem grito, sem força. Amanhã tento de novo!
O bar esfumaçado, sufocante é meu lugar preferido. Examino as mesas. Preciso de duas companhias para aquela noite. Sinto-me solitário, deprimido. É o preço que todos nós, dependentes, pagamos. As cortinas se fecham e após cada ato, os personagens, um a um, partem. Na última cena só existe aquele que se mantém até o final imutável, inflexível. Não há mais ninguém para aplaudí-lo ou enxotá-lo. Não há mais ninguém que chore a sua morte ou acredite na sua ressurreição.
A moça com o rosto grudado na janela parece habitar outro mundo.
- Meu nome é Alcides. Posso sentar-me com você?
- Faça o que quiser. Não me importo.
Bom começo para um homem como eu. É disso que preciso: uma mulher que não se importe, porque todas que se importam, mais cedo ou mais tarde me abandonam.
- Como é o seu nome?
- Polyana.
- Ah, como no livro?
- Não, eu sou a Poly do livro.
O garçom aproxima-se.
- Por favor, o de sempre...
-Eu prefiro um vinho tinto e seco.
- Um Camigliano?
- Pode ser.
- O que você faz, Polyana?
- Quando não sou Polyana, sou a Mulher Maravilha.
- E não existe nenhuma outra?
- Como assim?
- Quem está hoje, me dando o prazer de sua companhia?
- A sapa.
- Hum, quer dizer que preciso beijá-la para que a princesa apareça?
- Não há princesa.
- Sapa sem princesa?
Ela responde secamente:
- É. Sapa que atravessa escorpiões ao outro lado da margem. Conhece a parábola?
- Sim.
Ela vira o rosto para a direção da rua, enquanto eu penso na história. Quantas vezes eu fui o escorpião em minha vida? Incontável. Sempre quem tenta me atravessar é ferroado no fim do caminho. Meu poder destrutivo não tem limites. A minha natureza é essa: sou puro veneno.
- Então é melhor você ter cuidado comigo, porque eu sou o pior de todos os escorpiões que você já conheceu.
Pela primeira vez, sinto que falo algo que lhe aguça os sentidos. Um brilho enigmático surge do mais profundo de seus olhos e me deixa embaraçado.
- Seja bem-vindo a “dolce notte finale”!
- Obrigado, sapinha!
- Pode me chamar de Isabelle.
- Que lindo nome!
O garçom nos serve.
- Um brinde a nós!
- Per la salute o la morte?
Já faço essa escolha todos os dias. Respondo com outra pergunta.
- O que você mais deseja Isabelle? Hoje eu quero ser um gênio. Peça e eu atendo.
Ela não contém a gargalhada sarcástica e pergunta quantas doses eu tomei antes de chegar.
- Nenhuma. Estou na primeira. Peça!
- Está bem. Eu quero um caminhão numa rua escura.
- Eu tenho um Bugatti Veyron. Não é grande como um caminhão, entretanto é muito mais veloz!
- Não vale!
- Então me dá mais uma chance. Peça outra coisa.
- Um outro mundo.
Sinto-me desmoronar. Um outro mundo é tudo o que eu também desejo!
- E como é esse mundo?
Ela me olha por alguns segundos. Parece infeliz demais para gastar seu tempo conversando com um estranho sobre algo tão particular. No entanto, responde:
- Um mundo simples, onde o amor ainda está em alta e é capaz de fazer toda a diferença, de transformar as trevas em luz!
Há seis anos, a mesma sala, a mesma reunião. Muitas pessoas novas e poucas já bem conhecidas. Hoje, só por hoje, per l´amore, per Isabelle, per me...
Cris Lopes

Nenhum comentário:

Postar um comentário